Nesse mundo voltado para a materialidade, onde predominantemente a ciência tem suas verdades alicerçadas no que pode ser somado, medido, pesado, quantificado, tocado, fica a sensação de que os valores imateriais da misericórdia, da compaixão, do amor, não têm base científica, e que por isso podem ser desconsiderados como manifestações piegas, sentimentalistas, sem valor. Nessa visão, quando se fala em virtudes, fica a impressão de que está se falando em utopia, em sonhadores fora do mundo, fora da realidade.
É visível que a pregação apostólica de virtudes com palavras não será o caminho eficaz para alcançar a transformação necessária que permita a construção de um mundo novo. As virtudes devem ser defendidas, mas fundamentalmente vivenciadas por pessoas que acreditam e adotam ações virtuosas concretas, inteligentes, para essa transformação.
Para tanto, assim como o médico primeiro faz o diagnóstico para depois ministrar o remédio, é preciso, em primeiro lugar ter uma razoável percepção das raízes, das causas da ausência de atitudes virtuosas e do tratamento adequado. Diagnóstico e tratamento precisam ser corretos, sob pena de não se alcançar o objetivo desejado.
É preciso, desde logo, diferenciar moral de virtude. A moral estará sempre limitada aos valores “morais” adotados pela sociedade, que podem ser profundamente insanos, como a história nos dá notícias do apedrejamento de uma prostituta, e nos tempos mais modernos o colonialismo, a escravidão, a idéia de superioridade étnica, racial e de espécie. As virtudes estão em outro patamar. Elas existem em sua pureza.
As ações materiais de violência, de conflitos, de desentendimentos, são o resultado dos valores imateriais adotados pela sociedade. Os problemas humanos têm sua base no modelo, na forma, dos relacionamentos humanos. A vida em sociedade é o retrato da maneira como as pessoas se relacionam. Esse relacionamento é decorrente de valores imateriais, calcados em princípios ideológicos, políticos, religiosos, e de posturas decorrentes das experiências agradáveis e desagradáveis, das leis, da mentalidade vigente, dos frutos da vivência individual, da educação, que formam os valores individuais, coletivos e os costumes.
Quando alguém dispara uma arma, quando uma pessoa agride a outra, quando uma pessoa rouba ou mata outra, em todos os casos, o ato é material, mas decorrente de uma vontade, de uma consciência, que está no plano da imaterialidade. Coletivamente, os costumes, os paradigmas, a mentalidade vigente, que definem a sociedade, são decorrente de valores que estão na área da imaterialidade.
Alguns acreditam que a economia, a ciência, a política, são as portas principais para a construção de uma sociedade saudável, ética, nobre, mas todas essas modalidades e conhecimentos podem ser usados para o bem ou para o mal. Foram cientistas, engenheiros preparados, que construíram os fornos do holocausto, as armas de guerra, bombas e até a bomba atômica. O conhecimento está na esfera da matéria, do tangível. As relações humanas estão na esfera dos valores imateriais. Isto, apesar de simples, é muito importante ser compreendido. A conduta humana é definida pelos valores imateriais dominantes.
Os comportamentos virtuosos ou não virtuosos, pessoais ou coletivos, são definidos pelos valores imateriais dominantes, adotados individual ou coletivamente, os quais, como decorrência natural, definem também os meios materiais utilizados.
A possibilidade da adoção de uma pedagogia das virtudes que produza um efeito real, concreto, efetivo, depende, em primeiro lugar, do entendimento de que essa pedagogia principia com a percepção de que deve estar assentada no incentivo, no estimulo, no florescimento dos valores imateriais éticos positivos. A agricultura nos dá uma lição dos meios materiais adequados com base nas leis da natureza. Se queremos obter uma saudável plantação produtiva, devemos preparar o berço onde serão lançadas as sementes, escolher as boas sementes, verificar a época própria para o plantio, preparar e corrigir o solo com nutrientes adequados, irrigar, proteger as mudas e finalmente proceder a colheita.
É visível que vivemos em um mundo material, com muita violência, injustiças, desigualdades e inversões de valores, fruto dos valores imateriais de uma sociedade que tem seus alicerces no ter, no hedonismo, no levar vantagem, no dar-se bem e na conseqüente adoção de ações materiais em sintonia com esses desvalores.
Vivemos em uma manifestação cósmica regida por leis da natureza, onde uma de suas leis básicas é a lei de causa e efeito. Colhemos o que semeamos. Nos fartaremos do que semearmos. O entendimento popular tem, em sua simplicidade, expressado um pensamento de extrema sabedoria, ao dizer que “gentileza gera gentileza”.
A crença na violência, na força, em vencer pelas armas, a crença de que se queremos a paz devemos nos preparar para a guerra, é a principal raiz dos desentendimentos humanos. São valores imateriais negativos, equivocados. As mudanças pela força podem até alcançar algum êxito, mas aparente, transitório. Serão sempre mudanças externas, ineficazes, sem raízes, que se perdem rapidamente no tempo, permanecendo os males existentes com nova vestimenta, nova roupagem, mas com o mesmo conteúdo. A adoção da punição, do castigo, também é um equívoco, eis que só produz revolta e desejo de vingança, enquanto a adoção do cuidado, da atenção, do socorro, trazem o retorno positivo, com a transformação para o bem, criando laços de amizade, solidariedade e amor.
Ao revés, as transformações feitas no plano imaterial, dos valores humanos positivos, éticos, são, pela própria natureza, duradoras, eficazes. A abolição da escravatura no Brasil ocorreu como uma decorrência natural da mudança de valores éticos, sendo uma transformação permanente, atemporal, eficaz, sem possibilidade de retorno. As leis estão no plano da materialidade e não têm sustentação se não forem resultantes de uma nova mentalidade. A transformação verdadeira é de conteúdo, é intrínseca, é permanente.
É preciso conquistar mentes e corações, estabelecer novos paradigmas, novos preceitos, novos entendimentos, nova percepção, para a edificação de um mundo novo, com uma nova visão. Essa transformação só se faz se houver uma mudança de consciência, de valores.
É preciso atuar no mundo das idéias, mas lembrando sempre que os ideais são mais expressivos e envolventes. Giordano Bruno, em sua obra “O furor heróico”, ressaltou o entusiasmo – o estar possuído de Deus na visão grega – como elemento chave para esse salto de qualidade.
Essa atuação positiva deve partir do exemplo individual, mas é essencial que ela se transforme em um ideal coletivo, que ganhe as ruas, que ganhe as consciências, que se transforme em uma causa coletiva, uma causa da humanidade, sendo essencial o uso dos meios de comunicação para que a causa se dissemine, se alastre.
O começo se faz através da atuação individual, que o Gel. José Maria de Toledo Camargo, pai do professor Ivan Camargo, Magnífico Reitor da Universidade de Brasília, chamou sabiamente de Religião do Exemplo. Nesse sentido, diz um ditado que “a fala convence e que o exemplo arrasta”.
Esse exemplo é o da integridade, da dignidade, da honradez, da coragem, da postura destemida em defesa de uma causa, através de sua vivência. Mas, é essencial que pessoas se articulem em torno de uma bandeira, de uma causa nobre, eis que a união faz força e o poder do pensamento positivo de uma coletividade é altamente transformador.