Em artigo, Hernan Chaimovich*, considera necessário mensurar o valor do imenso conjunto de impactos e resultados obtidos pela ciência para demonstrar, a ministros da área econômica e a parlamentares que, sem investimento adequado em CT&I, o Brasil não tem futuro
No momento em que o Congresso Nacional discute a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LOA), é essencial reconhecer que o conjunto de interesses a ser considerado é amplo, que os recursos são escassos e que, portanto, as decisões devem ser tomadas considerando-se a legitimidade dos interesses envolvidos. Tem-se aí uma oportunidade para o Legislativo agir de acordo com o interesse legítimo supremo, que é o da Nação.
Dentre as demandas colocadas no Projeto da LOA (PLOA) está o orçamento do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). É mister, então, se perguntar por que, e quanto, investir em ciência e tecnologia em um tempo de restrições orçamentárias. Pergunta, aliás, que deve ser feita para cada um dos setores contemplados no PLOA. Questionamento necessário, válido e que merece uma resposta analítica.
Quanto e como investir em ciência, tecnologia e inovação é reflexão feita continuamente pelos setores público e privado, que costuma provocar tensão interna em ambos os setores. No Executivo do setor público, a tensão geralmente se estabelece entre os ministérios que tratam de CT&I e os que cuidam do orçamento ou mesmo da Fazenda. No setor privado, tensão similar aparece entre os setores financeiros e de desenvolvimento. A despeito disso, alguns países e empresas têm conseguido diálogos produtivos entre aqueles que decidem investimento e os que desenvolvem ciência, tecnologia e inovação. Em todos os casos, existem evidências que mostram que países e empresas que mantém e/ou aumentam investimentos em CT&I, em períodos de crise econômica, saem dela mais rápido e fortalecidos. Estados Unidos e China constituem exemplos recentes, mas nem todo mundo consegue ver.
Evidências apontam que quanto mais educados (ou instruídos?) são os interlocutores, mais difícil é alcançar um diálogo produtivo, se as posições ideológicas de ambos os lados são distintas. Na verdade, dados experimentais claros podem ser usados a favor, ou contra, quando se trata de defender um conceito pré-existente (também conhecido como preconceito). Um exemplo: a defesa do investimento em ciência básica, feita pelos cientistas, usa argumentos como “nosso país tem se destacado crescentemente pela qualidade da ciência produzida, como demonstram os recentes dados da prestigiosa revista Nature e, portanto o investimento….” Este argumento, do ponto de vista da comunidade científica internacional é, aliás, extremamente forte. Porém, se o interlocutor é um hipotético ministro dos Dinheiros, o mesmo argumento pode ser interpretado de forma distinta: ”lá vem de novo essa comunidade corporativa, que se interessa muito mais pela opinião de uma revista estrangeira do que pelo destino de nosso país ou pela diminuição do déficit fiscal”.
O estabelecimento de canais de diálogo efetivos requer linguagem comum que se adapte e compreenda, sobretudo, os preconceitos de parte a parte. Um dos componentes desses canais é a transformação da linguagem baseada em resultados para outra, sustentada pelos impactos causados pela ciência e tecnologia. Tais impactos, em discussão no mundo todo, incluem resultados intelectuais, sociais e econômicos. O impacto intelectual abarca ideias que produzem novas ideias, ideias que fazem a humanidade mais sábia e ideias que permitem formar geradores de ideias. O impacto social, por sua vez, está essencialmente focado em ideias que afetam políticas públicas, enquanto o econômico compreende ideias que criam empresas e geram empregos, ideias que aumentam a competitividade dessas empresas e geram ainda mais empregos e ideias que criam setores industriais. A comunidade internacional, na OCDE, na ONU, na Unesco, no Banco Mundial ou em agências de financiamento, tem discutido formas de avaliar esses impactos de forma a permitir que os setores público e privado possam planejar mais racionalmente seus investimentos.
Os setores públicos ou privados que tratam das finanças gostariam de ter como argumento central de diálogo com os setores que desenvolvem CT&I a valoração ou “precificação” dos impactos do investimento em CT&I. Algumas empresas já conseguem fazer isso com certo sucesso, mas no setor público este tema ainda é raramente considerado. A mensuração da efetividade do investimento em CT&I é um tema internacionalmente controverso, apesar do consenso em torno de sua importância e da constatação de que uma melhoria incremental das velas jamais teria conduzido à produção de lâmpadas elétricas.
No Brasil não existem estudos sistemáticos que possam quantificar o resultado do investimento em CT&I na atividade econômica. Contudo, estudo recente demonstrou que “entre 1970 e 2014 a agricultura paulista obteve um ganho de produtividade total de 2,62% ao ano por fatores não relacionados ao aumento da quantidade de insumos usados, conhecido em Economia como Produtividade Total dos Fatores de Produção (PTF). E que a partir de 1994 o ganho de produtividade do setor foi maior, atingindo 3,18% ao ano”. Um dos pesquisadores responsáveis por este estudo, Paulo Fernando Cidade de Araújo, afirma que “utilizando a mesma quantidade de insumos que usava em anos anteriores, o setor agropecuário paulista passou a produzir muito mais em razão de uma combinação de fatores, como os investimentos públicos em pesquisa, ensino superior e extensão rural”. E conclui que “cada R$ 1 investido com recursos públicos em pesquisa, educação superior e transferência de conhecimento (extensão rural) na agropecuária paulista resulta em um retorno de R$ 10 a R$ 12 para a economia do Estado”.
Existem claros exemplos de sucesso da aplicação de ciência e/ou da tecnologia brasileiras evidenciados no desenvolvimento da vacina contra hepatite B ou de soros antiofídicos, na atuação da Embraer e da Petrobrás, mais especificamente em torno do Pré-sal, nos avanços obtidos com a produção de soja, proteína animal e no fato de que o país formou gerações capazes de formular boas ideias. Crescem as ideias brasileiras que vem contribuindo, em todo o mundo, para a formulação de novas ideias. Não são poucas as ideias brasileiras que têm modificado políticas públicas e contribuem para fazer o país mais justo.
É necessário mensurar o valor desse imenso conjunto de impactos e resultados obtidos pela ciência para demonstrar, a ministros da área econômica e a parlamentares que, sem investimento adequado em CT&I, o Brasil não tem futuro. Continuar no nível de investimento público e privado equivalente a cerca de 1% do PIB, seguir contingenciando o investimento em CT&I e não ampliar o nível do orçamento da principal agência de fomento à pesquisa científica do país, o CNPq, somente poderá manter o país no estado econômico-social atual. Ou seja, sem nenhuma esperança de mudança.
Hernan Chaimovich* é doutor em Ciências Biológicas (Bioquímica), pela Universidade de São Paulo (USP), professor Titular do Instituto de Química da USP (1984), e presidente do CNPq.