*Priscila Cruz
Artigo publicado no Correio Braziliense
\”Gestores públicos precisam estudar suas redes de ensino para que cada aluno e cada sala de aula sejam considerados nas suas especificidades e para que todos tenham o garantido o direito à aprendizagem\”, afirma Priscila Cruz
Acabamos de divulgar, pela sexta vez nos 10 anos de existência do Todos Pela Educação, os dados de monitoramento da Meta 3 do movimento — a que acompanha, a partir dos dados da Prova Brasil e do Saeb, a evolução do aprendizado adequado dos Alunos. E a sensação que tenho é que o Brasil continua sendo aquele Aluno que começa o ano motivado, vai desanimando ao longo dos meses por uma série de razões e chega ao final do período letivo já sem condições de ser aprovado, de avançar para a etapa seguinte. Aí, mais uma vez, toma bomba.
Esse sentimento é, na verdade, explicado pelos indicadores educacionais. O monitoramento da Meta 3 do TPE mostra que, em 2015, 54,7% das crianças aprenderam o considerado adequado em língua portuguesa no 5º ano do Ensino fundamental — 27 pontos percentuais a mais do que em 2005. No 9º ano, o número já foi menor — 33,9% —, mas ainda 14 pontos a mais do que há uma década. Já no Ensino médio, 27,5% alcançaram o patamar esperado — apenas 5 pontos a mais do que na primeira edição do monitoramento da Meta 3.
No caso de matemática, acontece a mesma trajetória ao longo das etapas Escolares, porém os dados mostram que essa disciplina ainda é um desafio maior para Alunos e Professores, uma vez que os indicadores são sempre mais baixos. No 5º ano, 42,9% dos Alunos atingiram o que era considerado adequado — 24 pontos percentuais acima do verificado em 2005 —, porém, no 9º, o aumento foi de apenas 5 pontos na década, chegando a 18,2% de Alunos no patamar esperado; e no Ensino médio, acreditem, apenas 7,3% — um percentual ainda mais baixo do que o verificado em 2013, que era de 9,3%, e quase 4 pontos a menos do que no início do monitoramento. Ou seja, não estamos apenas estagnados em um patamar muito baixo nos anos finais do Ensino fundamental, em matemática, e no Ensino médio, em língua portuguesa, como estamos retrocedendo em matemática nesta última etapa da Educação básica.
É uma situação desanimadora. Mas não pode ser, jamais, paralisadora. Não podemos perder a capacidade de nos indignar diante desses resultados. Ainda mais neste momento de crises econômica, política e, mais recentemente, do sistema penitenciário brasileiro, que tão claramente tem ligação com a Educação — ou melhor, com a falta dela.
A melhora que tem sido percebida nos anos iniciais do fundamental tem que chegar aos anos finais e ao Ensino médio. Em 10 anos, vimos o percentual de municípios que têm menos de 25% dos seus Alunos com aprendizado adequado cair de 62,6% para 13,7% no 5º ano do EF, em língua portuguesa. Isso é resultado de um esforço que vem sendo empreendido com políticas mais focadas para essa etapa, como o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), basicamente uma política de formação Docente.
Mesmo celebrando esse avanço, não podemos nos dar por satisfeitos, ainda mais em um país tão grande e tão diverso. As médias, de maneira geral, escondem muitos desafios ou ofuscam bons resultados de políticas bem-sucedidas que podem ser adaptadas para outras realidades pelo Brasil.
Quando analisamos os resultados em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) per capita de uma cidade, por exemplo, vemos que, quanto maior esse número, maior o percentual de Alunos com aprendizado adequado. Nesse sentido, observamos que a maioria dos municípios com menos de 10% dos estudantes com desempenho adequado têm PIB per capita abaixo da média nacional. A mesma correlação ocorre com as Escolas: a maioria daquelas com os piores desempenhos está nas faixas de nível socioeconômico mais baixo.
Essas correlações são muito importantes, mas reitero que isso não deve nos paralisar e, sim, nos mobilizar e engajar para fazer com que as condições sejam superadas e que todos os Alunos brasileiros, independentemente de onde estejam, tenham acesso às mesmas oportunidades — as melhores. Temos, sim, bons exemplos de municípios que estão superando as condições adversas para garantir esse direito, contando com vontade política e políticas públicas focadas.
Universalizar a qualidade, além do acesso, é desafio muito mais complexo, que exige maior esforço e sofisticação da gestão. Políticas gerais para situações e necessidades tão distintas já não trazem mais resultados. Os indicadores, pesquisas e estudos educacionais devem servir para embasar ações cada vez mais focadas. Os gestores públicos precisam estudar suas redes de Ensino, fazer o dever de casa, envolver Escolas, família e comunidade, para que cada Aluno e cada sala de aula sejam considerados nas suas especificidades e para que todos tenham o garantido o direito à aprendizagem.
*Mestre em Administração Pública pela Harvard Kennedy School, é fundadora e presidente-executiva do Movimento Todos Pela Educação