Cortina de fumaça: Reforma agrária e o sistema da dívida

 

 

 Isaac Roitman, professor emérito da Universidade de Brasília e presidente da Comissão do Movimento 2022: \”O Brasil que queremos\”, escreve para o Blog da Política Brasileira

 A expressão “cortina de fumaça” tem suas origens em um passado muito remoto. Em muitas batalhas e guerras da antiguidade cortinas de fumaça eram utilizadas na maior parte das vezes para se ocultar dos inimigos. Hoje essas técnicas não são mais utilizadas, mas a expressão permaneceu presente em nosso cotidiano como sinônimo de dissimulação, ilusão ou ocultamento.

Atualmente vivemos um dos períodos políticos mais obscuros do Brasil e observamos uma imensa cortina de fumaça alimentada diariamente pela mídia adiando as políticas e ações para corrigirmos as contradições seculares que nos coloca como um dos países com maior injustiça social do planeta. Tomemos com exemplos a “reforma agrária” e o “sistema da dívida”.

O problema fundiário no Brasil remonta ao ano de 1530 com a criação das capitanias hereditárias e do sistema de sesmarias – grandes glebas distribuídas pela Coroa portuguesa a quem se dispusesse a cultivá-las dando em troca um sexto da produção. Nascia o latifúndio.

Em 1822, com a Independência do País, agravou-se o quadro: a troca de donos das terras se deu sob a lei do mais forte, em meio a grande violência. A instauração da República, em 1889, um ano e meio após a libertação dos escravos, tampouco melhorou o perfil da distribuição de terras. O poder político continuou nas mãos dos latifundiários, os temidos coronéis do interior.

Apenas no final dos anos 50 e início dos anos 60, com a industrialização do País, a questão fundiária começou a ser debatida pela sociedade, que se urbanizava rapidamente. Surgiram no nordeste as Ligas Camponesas e foi criada Superintendência de Reforma Agrária (Supra).

Em 1966 o Decreto 59.456 instituiu o primeiro Plano Nacional de Reforma Agrária, que não saiu do papel. Em 1970 foi criado o Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra) que em 2000 foi vinculado ao Ministério de Desenvolvimento Agrário.

O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terras) que congrega 350 mil famílias que conquistaram terra, consideram que essa conquista é o primeiro passo da Reforma Agrária. Ela só será completa com a assistência técnica, benfeitorias e infraestrutura, como saneamento, energia elétrica e o acesso à educação, cultura e lazer.

Lamentavelmente no Brasil, não tivemos a experiência de realizar uma autêntica reforma agrária. Ela permitiria a fixação do homem no campo, criaria empregos, geraria renda e comércio local, induziria uma industrialização desconcentrada e garantiria a soberania alimentar da nação.

O sistema da dívida ou a dívida pública é um conjunto de débitos contraídos pelo Poder Público para prestar seus serviços. Mas na realidade, ela se transformou de maneira como o Estado se vincula e alimenta a forma mais avançada de valorização do capital, a financeira, restando pouca relação com prestação de serviços para a sociedade.

Como aponta Maria Lucia Fattorelli o sistema da dívida corresponde à utilização do endividamento público às avessas, ou seja para uma contínua e crescente subtração de recursos públicos, que são direcionados principalmente ao setor financeiro privado. É indispensável que se faça uma Auditoria da Dívida.

Através dela se tornaria transparente a origem da dívida e de sua legitimidade. Em adição se investigaria os sucessivos danos ao patrimônio público nas operações de mercado aberto, na definição da taxa de juros como se fosse amortização, o cálculo de juros sobre juros e exporíamos publicamente os credores da dívida pública.

Como aponta Fattorelli, enquanto os bancos lucram, todos nós pagamos a estratosférica conta da elevada carga tributária sem o devido retorno, e entregamos continuamente patrimônio público estratégico, além de conviver com as inaceitáveis injustiças sociais vigentes em nosso potencialmente rico país.

Até quando nosso rico país, marcado pela abundância em todos os aspectos, ficará submetido aos que usufruem e abusam do cenário de escassez? Até quando o Banco Central ficará à vontade para transferir centenas de bilhões de prejuízos para todos nós, enquanto garante os maiores ganhos do mundo para os bancos privados?

Vamos dissipar a cortina de fumaça para que esses dois temas, assim como outros, sejam discutidos pela sociedade brasileira e devidamente equacionados visando uma prosperidade coletiva. Assim conquistaremos o Brasil que queremos onde todos os brasileiros tenham a oportunidade de ter uma vida digna e feliz.

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