\"\"José Geraldo de SousaEx-reitor da UnB e professor da Faculdade de Direito

A ex-presidente Dilma Rousseff deixou o cargo por decisão do Congresso, que foi eleito por voto direto, sob a acusação de irregularidades nas contas públicas. Por isso, é controverso dizer que houve golpe para derrubá-la do poder. O nome da disciplina \”O golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil\” direciona a discussão para uma visão ideológica sobre o episódio?Certamente, é controverso. Daí a importância de organizar reflexão fundamentada para estabelecer um protocolo epistemológico de inteligibilidade entre questões controversas. No tema específico essa é uma tensão secular para o conhecimento da história política. Até hoje acumulam-se disciplinas, teses e estudos acadêmicos (disciplinas, cadeiras) para orientar a compreensão sobre o evento de 1964 no Brasil. Em todos esses campos, a bibliografia tem duas estantes: uma com obras e relatórios de disciplinas que sustentam que, em 1964, houve um golpe; outra com material que sustenta que em 1964 houve uma revolução.

Quem tiver uma posição totalmente contrária ao entendimento de que houve golpe conseguirá aprovação e notas máximas nas provas?Certamente. Salvo situações bizarras todas sujeitas a revisões e recursos. No estilo de Voltaire, \”discordando, mas defendendo o direito legítimo de fazê-lo\”. Na minha Faculdade, por exemplo, a de Direito, isso está patente desde 1964 (para os temas de golpe e revolução), e nela conviveram, com diferenças políticas ou epistemológicas, alunos e professores que se submeteram a exames, provas, concursos nos quais intérpretes com diferentes visões teóricas e de mundo, arguiram, reprovaram, aprovaram (em número infinitamente maior) os estudantes e pesquisadores. Livres para estudar e formular cursos de \”direito achado na lei\” e também de \”direito achado na rua\”, com igual reconhecimento acadêmico.

O senhor poderia dar exemplo de outras disciplinas da UnB com tema controverso como o desta disciplina?Acabei de citar uma \”O Direito Achado na Rua\”, que eu próprio ministro, na graduação e na pós-graduação, que é base de linha de pesquisa registrada no CNPq, com o acervo de enorme reconhecimento nacional e internacional. Mas há outras. Farei apenas uma referência, até porque sei que não causará mossa ao professor. Refiro-me ao professor, ex-reitor, ex-governador, ex-ministro da Educação, atual senador Cristovam Buarque, que criou disciplinas extremamente controversas no fundo e nos temas, trazendo para estudo na universidade assuntos altamente controversos como interdisciplinaridade, numa universidade ainda muito disciplinar, questões filosóficas para a economia como estudos de inversão de prioridades éticas para o desenvolvimento e essa questão visceral da medida compensatória com estudos que levaram à formulação de categorias como \”bolsa-escola\”, em sua disciplina de \”Estudos do Brasil Contemporâneo\”. O senhor é um dos signatários da representação contra o ministro da Educação, Mendonça Filho, que criticou a disciplina e defende uma ação de improbidade administrativa contra o professor Luís Felipe Miguel. Acha que essa posição é uma censura à UnB?À luz da lição da História tem esse caráter e semelhança com o que já foi feito, inclusive com forma de legalidade contra a própria UnB. Vejam o livro de Roberto Salmeron A Universidade Interrompida e o livro que eu próprio organizei Da Universidade Necessária à Universidade Emancipatória. Por isso mesmo, nas duas representações que assinei com colegas juristas e parlamentares, trazemos a conhecimento a tese premiada pela Capes/MEC, como Grande Prêmio Capes, cujo fundamento é a liberdade de ensinar, desde que oferecidas as salvaguardas que foram adotadas no caso tal como ouvi hoje (ontem) nas manifestações trazidas à reunião do Conselho Universitário da UnB. Na sua opinião, o impeachment de Dilma Rousseff foi golpe?Categoricamente, sim. Tenho sustentado essa opinião publicamente em seminários, mesas-redondas, entrevistas, conferências, salas de aula e em mutos escritos. Por todos remeto ao meu artigo Estado Democrático da Direita, publicado no livro organizado por Roberto Bueno, Democracia: da Crise à Ruptura. Ali explico meu posicionamento para demonstrar que a existência formal de uma legalidade e de uma institucionalidade procedimental, por si, não afirma a legitimidade do que realiza. E lembro que no Brasil, com sua herança colonial que opera com favores mas não com direitos (lembre-se da afirmação de Getulio: \”para os amigos tudo; para os inimigos, a lei\”), prevalece o alcance retórico de institucionalização pelo jurídico.

Leia a íntegra da entrevista no blog CB.Poder (blogs.correiobraziliense.com.br/cbpoder)

 

Editoria: CIDADES
Autor(a): EIXO CAPITAL – ANA MARIA CAMPOS
Tipo: Coluna
Veiculação: 24/02/2018
Página: A18
Assunto: UnB, PROFESSORES

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