A agricultura familiar no Brasil, aspecto fundiário

Por Enedino Corrêa da Silva, para o Correio Braziliense – 

A agricultura familiar, antes de qualquer coisa, é um estado de espírito do Brasil. Ela sofre suas dificuldades pelo próprio processo de colonização, o qual legou ao meio rural as grandes propriedades, e a exploração extensiva da terra. Isso vem desde as capitanias hereditárias, onde os senhores das fazendas predominavam, explorando a mão de obra escrava.Existe uma certa confusão entre a agricultura de subsistência, mais comum no nordeste brasileiro, e a agricultura familiar, mais comum no sul do Brasil. Esta, no sul, visa o lucro, através da comercialização de seus produtos; é, portanto, uma agricultura comercial, que se insere no consumo interno do país, e atua na pauta de exportação, no mercado internacional.

Aí, o cooperativismo viabiliza ainda mais esse tipo de agricultura, que mostra uma influência maior no sucesso de sua economia, comparado às regiões onde a exploração da terra é extensiva, e onde a monocultura predomina. O estado de Santa Catarina é um exemplo de sucesso da agricultura familiar, pouco depende de financiamentos bancários, mostrando-se até autossuficiente nos aspectos socieconômicos da exploração agrícola.

No Rio Grande do Sul, nota-se grande progresso em sua região mais setentrional, onde predomina a agricultura familiar, de pequenas e médias propriedades, onde se busca a diversificação na exploração agrícola, e onde predomina o cooperativismo. Ainda neste Estado, em sua região sul, existiu, nos últimos tempos, um processo de estagnação, pela predominância da exploração extensiva e da monocultura, em grandes propriedades agrícolas. Isso acontece com a rizicultura, em especial.

Quando se pensa em agricultura familiar no restante do país, aí surgem as grandes dificuldades, embora já exista em São Paulo e no Sul de Minas Gerais. Contudo, no centro-norte do país, a agricultura familiar, para ser implementada, necessita de todo um processo de difusão e transferência de hábitos e da cultura, nos moldes daqueles existentes no sul. Até aqui, essa transferência tem tido pouco sucesso, porque tem sido malconduzida, e porque a estrutura fundiária não é propícia ao desenvolvimento rural nessas regiões. O assunto aí é complexo, onde falta uma tradição do cultivo sustentável da terra, de assentamento do homem no campo, e onde existe carência de infraestrutura e de bem-estar do homem no meio rural.

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que tanto tem contribuído para o progresso da agricultura no país, tem papel importante na difusão e na transferência de cultura e dos hábitos do agricultor e da agricultura, de regiões onde ela é mais desenvolvida, para regiões menos desenvolvidas. O fato é que, mesmo com modelos diferentes, o que se constitui em uma tese não é uma constatação, a agricultura familiar tem espaço importante, em qualquer região. Talvez, o tipo de estímulo para que venha a se viabilizar seja diferente, mas o modelo de desenvolvimento é um só, quanto a manter o homem no campo, criar infraestrutura, diversificar a exploração agrícola, e agregar valor visando o mercado.

A tecnologia que deve ser colocada à disposição da agricultura familiar pode ser definida como resultado de um conjunto de atividades técnico-científicas, estruturadas e medidas, para um cliente ou mercado, após a sua validação. As PPPs (parcerias público privadas) são necessárias, principalmente na trilogia pesquisador/extensionista/agricultor. Para que a agricultura familiar tenha sucesso, faz-se necessário esse tipo de parceria, em que o resultado seja o de capitalização do agricultor, para que esse possa conduzir sua propriedade com sucesso.

Além do crédito, da tecnologia, do conhecimento, a estrutura de transporte também se faz necessária, para possível escoamento da safra. Isso só é possível com a existência de estradas em boas condições para que, dessa forma, o agricultor familiar possa comercializar seu produto sem a menor interferência do intermediário, indo direto ao consumidor, por meio das centrais de atendimento (Ceasas), escolas, feiras e até supermercados.

Esses fatores se fazem presentes em regiões onde a agricultura familiar está mais desenvolvida, e o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) deve levar em consideração os fatos aqui narrados, os de que, no Centro-Norte, a agricultura é mais carente e exige maior atenção. A verdade é que existiam, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE – 2009), 4.367.000 estabelecimentos da agricultura familiar no país, correspondentes a 84% dos estabelecimentos rurais. São 80 milhões de hectares, o equivalente a 24% da área total. Além disso, representa 38% do valor bruto da produção, 34% do PIB e 12 milhões de empregos.

De fato, a agricultura familiar é uma realidade. E ela tende a crescer pelo efeito da hereditariedade. O velho e grande proprietário envelhece e morre. Os filhos assumem a grande propriedade, casam e formam famílias. Com isso há a subdivisão da terra, em propriedades menores, o que ocasiona uma reforma na estrutura fundiária. No Sul, isso aconteceu, e com sucesso. A agricultura familiar é a célula do processo agrícola, assim como a família é a célula da sociedade. Quando elas vão bem, o país vai bem.


ENEDINO CORRÊA DA SILVAEngenheiro Agrônomo, MSC, doutor pesquisador aposentado da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e ex-professor da Universidade de Brasília (UnB)

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