A disciplina é democrática

Cristovam Buarque, para o Correio Braziliense – 

A violência generalizada desfaz a estrutura familiar provoca desemprego, pobreza, raiva, drogas e a violência do tráfico, do assalto, das balas perdidas. Ela penetra na escola e agride o professor. A violência da própria escola contra os alunos, pela precariedade de suas instalações e de seus equipamentos, incentiva a violência deles contra a escola, seja por depredação física das instalações, seja contra os professores.

A precariedade da escola e sua desadaptabilidade aos tempos atuais faz com que o aluno não veja o professor como seu condutor a uma vida melhor. A consciência dos alunos de que a escola não está sendo um instrumento de sua promoção social faz com o que o professor não seja visto como construtor do seu futuro. A revolução científica e tecnológica que substitui profissionais por máquinas e pela inteligência artificial começa tomar o lugar também dos professores; os alunos passam a ver seus mestres como desnecessários, além de que, habitando o mundo digital, preferem aprender por equipamentos.

No Brasil, o profissional está diretamente ligado ao seu prestígio material identificado com o salário. Com baixo salário – e ainda mais grave é a desigualdade em relação à remuneração de outras categorias -, o professor fica diminuído no imaginário da população e dos seus alunos; desprestigiado, sofre bullying e, consequentemente, é candidato à vítima de violência moral e física também.

professor resiste, usando o instrumento da greve. Seu desprestígio, porém, faz com que este instrumento de luta não tenha força. O resultado são longas greves que passam a imagem de que o professor é uma figura irrelevante, o que amplia o desprestígio entre alunos, que passam meses sem aulas. Junta-se a isso a velocidade com que o conhecimento avança, fazendo com que seja comum os alunos saberem mais do que o professor que não acompanha as novas descobertas anunciadas pela televisão, pela internet, pelo WhatsApp.

A desconexão geracional é um fenômeno de quase todo profissional nos tempos de hoje, mas a situação é mais grave na escola porque o professor lida com crianças e adolescentes mais sintonizados com os novos tempos e com os instrumentos do que os clientes adultos de outros profissionais. Essa desconexão geral com estranhamento pode se transformar em violência.

A principal causa da violência é o mundo político que despreza a educação e, portanto, o professor. Quando, às vezes, desperta para o problema da violência contra o professor, os dirigentes políticos decidem tratar o assunto como questão de repressão, de polícia e de detector de metais. Todas essas causas, inclusive a última, têm a ver com características da \”mente brasileira\” que jamais, até hoje, colocou educação como um valor central da sociedade, como o indicador maior de riqueza, de progresso, desprezando o elemento-chave da geração de saber: o professor.

Tudo isso leva ao comportamento indisciplinado que, além de ser uma violência em si, é causa de violência. A retomada da disciplina é, por isso, um ponto de partida, embora não suficiente, para quebrar o círculo vicioso da violência. No atual quadro de indisciplina, dificilmente os professores são capazes de quebrar e reverter essa situação. Não é, porém, substituindo professor por outros profissionais, como militares, que a escola supera a indisciplina sem perder seu papel pedagógico. A escola precisa ter assessoria técnica para entender as medidas necessárias, sem deixar de ser escola.

O uso de uniformes, a pontualidade do aluno e do professor, o respeito coletivo aos símbolos nacionais, a exigência do bom comportamento, com penalidade aos que desrespeitam o funcionamento escolar, são medidas disciplinadoras que, certamente, ajudarão a coibir a violência, especialmente contra os professores. Transformar as escolas civis em escolas militares não é o caminho, mas ter assessores do mundo militar, em diálogo e subordinados aos professores, psicólogos e psicopedagogos, certamente pode trazer vantagens. Para isso, é preciso que os professores estejam predispostos e entendendo que eles serão os grandes beneficiados imediatos com o novo clima de respeito que será criado. E que entendam também que a indisciplina, além de violência, é um gesto antidemocrático, porque desrespeita as instituições e as pessoas.


CRISTOVAM BUARQUE – Senador pelo PPS-DF e professor emérito da Universidade de Brasília (UnB).

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