A diretora da ABC Marcia Barbosa, professora titular da UFRGS, publicou o seguinte texto no blog Ciência e Matemática do jornal O Globo, em 23/7:
Hipátia estava preocupada. Apesar de ser uma cientista reconhecida pela sociedade de Alexandria do século V, ela precisava tomar a decisão mais difícil de sua vida: obedecer à autoridade política ou à autoridade do conhecimento. Durante o governo de Oreste, um cristão tolerante com outros grupos religiosos e com as ideias científicas, ela conseguira fazer o seu trabalho de pesquisa sem maiores transtornos. Desenvolveu novos métodos matemáticos para realizar divisões com números enormes, construiu seus próprios instrumentos para observar o céu, como o hidrômetro e o astrolábio e editou um dos livros de Ptolomeu.
No entanto, o crescimento do poder político do cristianismo dentro do Império Romano era uma ameaça à liberdade de Hipátia. Em Alexandria, esta ameaça se personificava no bispo Cirilo, um homem que acreditava que sua palavra era não somente a autoridade política mas a verdade, independente das evidências dizerem o contrário. O rancor que Cirilo tinha por Hipátia era um mistura de machismo por ela ser uma mulher articulada e de trânsito político, de temor por sua independência religiosa e de inveja por ela navegar com tanta habilidade na complexidade do conhecimento científico.
Contam alguns historiadores que uma das descobertas de Hipátia foi particularmente provocadora. Ela corrigiu, usando dados de astronomia, a data da Semana Santa estabelecida por Cirilo. Cirilo iniciou então uma campanha para desmoralizar Hipátia, propagando entre a população cristã a mentira de que ela era uma pagã demoníaca. Um dia, retornando de uma de suas observações do céu, Hipátia é arrancada de sua carruagem e é levada por uma milícia religiosa irada para dentro de uma igreja cristã onde é assassinada com requintes de crueldade.
Hoje vivemos novamente um momento em que as verdades inconvenientes trazidas pela ciência são desafiadas pelo poder político. Cientistas em todo o mundo reafirmam com evidências a validade das vacinas, a redondeza da terra e que as mudanças climáticas são uma realidade com consequências para toda a humanidade. No Brasil, o prof. Ricardo Galvão, diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), é uma destas vozes. Ele afirma com dados levantados pelo INPE que o desmatamento tem crescido no Brasil. O pesquisador por professar esta verdade inconveniente é acusado de mentiroso por um político sem formação científica. O governante acredita que sua palavra é não somente a autoridade política como a verdade, independente das evidências dizerem o contrário.
Ricardo, diferentemente de Hipátia, não está enfrentando a turba de difamadores sozinho. Somos muitos pesquisadores em todo o país e estaremos firmes ao lado dele apoiados pela autoridade do conhecimento e pela democracia. A primeira estabelece que o conhecimento se alicerça em evidências e a segunda limita o poder dos autoritários. Juntos e juntas podemos.