Por Dioclécio Campos Júnior, médico, professor emérito da UnB, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, membro titular da Academia Brasileira de Pediatria, presidente atual do Global Pediatric Education Consortium (GPEC), para o Correio Braziliense –
Sem educação, não há respeito. Sem respeito, não há diálogo. Sem diálogo, não há relação humana. Uma sociedade democrática somente existirá se construída em sintonia com todos esses requisitos primordiais. Com efeito, a educação é a única base sólida e inabalável capaz de assegurar a construção de ambiente social justo, equilibrado e fraterno. Do contrário, a convivência humana dignificante passa a ser substituída pela selvageria animalesca.
Uma das provas incontestáveis da validade de tais argumentos é a degradante situação em que vivem as gerações atuais de vários países do planeta, entre os quais o Brasil. É onde não se pratica um diálogo sereno e equilibrado como hábito essencial à construção de uma convergência de pensamentos diversos em favor do humanismo civilizatório.
O respeito ao próximo vai sendo deteriorado pelo fundamentalismo radical que divide a sociedade em numerosas facções. As divergências deixam de ser entendidas como expressão natural do livre pensar. São refutadas com descabida ênfase além de indisfarçável agressividade. Os conceitos e preconceitos ideológicos convertem-se nos dogmas que passam a desfazer a postura dialogal inerente ao espírito humano. O recanto mental das pessoas pode ser poluído pelo radicalismo difundido em quase todos os veículos de comunicação. Os seres ingênuos são assim manobrados.
Uma grave consequência dessa lamentável crise é o desaparecimento da interação altruísta entre os habitantes da sociedade. Impõe-se lhes a rejeição da convivialidade fraterna por se tratar de virtude relacional que nada tem a ver com o dogmatismo grupal de facções que prosperam a olhos vistos.
O diálogo é um dos valiosos marcos da história da humanidade. Foi surgindo progressivamente como comunicação social indispensável ao compartilhamento de opiniões conscientes, ideias substanciais e visões construtivas. Configura-se como a livre conversação estabelecida espontaneamente. Trata-se, na verdade, de uma interlocução lúcida, fraterna, respeitosa, acolhedora, produtiva e baseada na alteridade dos cidadãos. É injustificável qualquer tentativa de desconstruir essa prática sagrada da espécie humana, dotada do elevado potencial de solidariedade que inspira a cultura de uma convivência interativa, a ser estimulada e não desintegrada como vem acontecendo nos últimos tempos. O tempero insubstituível que lhe dará plena consistência é a educação.
Além do mais, o diálogo é o caminho seguro para estabelecimento da amizade entre as pessoas. Por isso, uma conversa não pode ser contaminada pelo dogmatismo fundamentalista que nada constrói em favor da humanidade. A união pacífica de diferentes ideias reflexivas é um dos valiosos componentes da fonte de energia humana que mantém a sociedade íntegra, dinâmica, igualitária, inovadora e não comprometida com atos destinados a subjugar as populações. O pensador italiano Francesco Alberoni descreve a amizade como a relação humana de padrão único e universal. Em sua obra, intitulada A amizade, ressalta as características incomparáveis da construção de vínculos amistosos entre as pessoas. Segundo afirma o citado pensador, amizade verdadeira é a relação humana que não visa a interesses pessoais, vantagens materiais, hierarquia do poder, nem qualquer outra versão de privilégio ou comportamento corruptivo. Em síntese, as pessoas não são amigas porque pensam igual, nem inimigas porque pensam diferente. Sua cordialidade decorre de princípios morais e éticos que aprendem a cultivar com a mais dedicada devoção.
À luz do que está exposto, torna-se evidente que o papel educativo dos meios de comunicação precisa ser exercido, com sabedoria, em favor de uma sociedade justa e serena. Um dos passos decisivos para as mudanças indispensáveis à reconstrução da convivência social saudável será abandonar o uso da inverdade como recurso ilusório e persuasivo que desmerece a mente alheia. A verdade é um sublime valor humano a prevalecer nas circunstâncias em que vivem as populações do planeta. Comunidades amigáveis são insubstituíveis no contexto existencial da espécie Homo sapiens.
Em conclusão, é importante reiterar que ações educativas estão na gênese das virtudes da humanidade, sem as quais o imediatismo contribuirá para a extinção da espécie. A educação deve ser reconhecida como requisito insubstituível para uma sociedade verdadeiramente democrática. Portanto, há de ser projetada, prioritariamente, como base sólida do diálogo saudável entre as pessoas. Sem diálogo, não há democracia.