Vencer as crises e conquistar a educação que mudará o Brasil

Por Isaac Roitman, professor emérito da Universidade de Brasília, em artigo para o Monitor Mercantil em 20/08/2020

 

Vivenciamos uma crise sem precedentes. Perdemos mais de 100 mil brasileiros e brasileiras devido à pandemia da Covid-19. As consequências negativas na economia nos próximos anos são preocupantes. A crise política alimentada pela desinformação e sem as lideranças desejáveis não permite se ter uma visão otimista do futuro.

Em adição, temos uma crise de valores e hábitos. Apesar da angústia e sofrimento provocados pela crise, ela pode ser uma oportunidade que poderá tirar as pessoas da zona de conforto, despertando a criatividade e o protagonismo.

Segundo Leonardo Boff podemos aprender com a crise brasileira e avançar nos sonhos e utopias no Brasil que queremos e não o país que herdamos parcialmente colonizado, sem democracia plena e injusto. Podemos avançar na superação da vergonhosa desigualdade social caracterizada por uma perversa concentração de terras, de capitais e de uma dominação do sistema financeiro, com bancos que extorquem o povo e o governo cobrando-lhe um superávit primário absurdo para pagar os juros da dívida pública.

Segundo Boff, precisamos reinventar o Estado nacional que atende as classes que detêm o ter, o poder, o saber e a comunicação, atendendo as demandas das oligarquias, deixando sempre o povo de fora. Certamente, com os avanços científicos, principalmente o desenvolvimento de vacinas, vamos superar a crise sanitária. E as outras crises? Um grande número de pessoas respeitáveis tem declarado que o caminho para termos um país com vida digna para todos é a educação.

No Brasil, há muitas décadas todos os governos proclamam que a educação é sua meta prioritária. Proclamação retórica, demagógica e enganosa. Segundo todos os índices e pesquisas nacionais ou internacionais, a qualidade da educação brasileira está cada vez mais precária, constituindo-se como a maior das tragédias nacionais. Nossas escolas produzem um número considerável de analfabetos plenos e funcionais. O papel do educador enquanto facilitador da liberdade de aprendizagem para transformar socialmente os indivíduos não passa de uma intenção não concretizada.

Em 1932, intelectuais brasileiros lançaram o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Reproduzo os parágrafos iniciais do texto escrito por Fernando de Azevedo: “Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade ao da educação. Nem mesmo os de caráter econômico lhe podem disputar a primazia nos planos de reconstrução nacional”. Nada mais atual.

Em 1959, redigido também por Fernando de Azevedo, foi lançado o segundo Manifesto, subscrito por 118 intelectuais, entre eles Anísio Teixeira, Júlio de Mesquita Filho, Luiz Gouveia Labouriau e Florestan Fernandes. Nesse documento consta: “A educação pública, por toda a parte, está sujeita a crises periódicas, mais ou menos graves, e a bruscos e passageiros eclipses.”

Em 2010, foi lançado no Conselho Nacional de Educação o documento Carta-Compromisso “Pela garantia do direito à educação de qualidade”, subscrito por 27 entidades, que pode ser considerado como o terceiro Manifesto da Educação Nova.

Nesse documento os princípios e ações podem ser sintetizados: a) promoção da aprendizagem ao longo da vida, como direito assegurado pela Constituição Federal para todas as crianças, adolescentes, jovens e adultos; b) universalização do atendimento da demanda por creche pública nos próximos 10 anos; c) superação do analfabetismo, especialmente entre os brasileiros e as brasileiras com mais de 15 anos de idade; d) estabelecimento de padrões mínimos de qualidade para todas as escolas brasileiras, reduzindo os atuais níveis de desigualdade.

O momento para darmos um grande salto na educação brasileira é agora. Cada um de nós tem um protagonismo para deixarmos um Brasil maravilhoso para as próximas gerações. Vamos nos inspirar no pensamento Paulo Freire: “Não é possível refazer este país, democratizá-lo, humanizá-lo, torná-lo sério, com adolescentes brincando de matar gente, ofendendo a vida, destruindo o sonho, inviabilizando o amor. Se a educação sozinha não transformar a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda.”

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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