Autonomia universitária: avanços e retrocessos

Por Isaac Roitman, professor emérito da Universidade de Brasília, em artigo para o Monitor Mercantil em 1°/10/2020

 

A história da universidade é a história da congregação de esforços, estudos e sonhos para livre produção e difusão do conhecimento. Essa circunstância histórica suporta a convicção de que os conceitos de universidade e autonomia têm se aproximado de tal forma a ponto de parecerem indissociáveis.

O artigo 207 da Constituição de 1988 diz: “As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. § 1º É facultado às universidades admitir professores, técnicos e cientistas estrangeiros, na forma da lei. (Incluído pela Emenda Constitucional 11, de 1996). § 2º O disposto neste artigo aplica-se às instituições de pesquisa científica e tecnológica. (Incluído pela Emenda Constitucional 11, de 1996).”

A Constituição consagra, além da autonomia didática e científica, a gestão financeira e também a gestão democrática. Quanto à gestão financeira, no passado recente, as universidades federais enfrentam cortes e contingenciamentos que apontam para um caminho nebuloso de perda de qualidade e até de paralisação. Esse panorama torna-se mais delicado com a diminuição de investimentos na área de pesquisa e inovação.

Um ameaçador retrocesso é o artigo 14 do Projeto de Lei 529/2020 em tramitação na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, que propõe recolhimento à Conta Única do Tesouro Estadual, ao fim de todo exercício fiscal, de reservas financeiras apuradas junto a autarquias e fundações do Estado de São Paulo, em particular às três universidades públicas (USP, Unicamp e Unesp) e à Fapesp (Fundação Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), sob a equivocada alegação de se tratar de “superávit financeiro”. Essa proposição, se aprovada, provocará perda de qualidade no ensino superior e da pesquisa no Estado de São Paulo.

Com relação à gestão democrática, há algumas décadas foi adotado nas Universidades Públicas a realização de eleições na forma de consulta, para a escolha do/a reitor/a, com a participação de professores, estudantes e corpo técnico e administrativo.

A partir de 1985 ocorreram as primeiras eleições da história da universidade. Anteriormente os reitores eram selecionados a dedo pelos generais e serviços de inteligência dos militares com o intuito de combater o chamado “marxismo cultural” e a resistência estudantil. Os conselhos universitários na época elaboravam uma lista de nomes entre seus pares para que o Governo Federal escolhesse quem bem entendesse de acordo com seus interesses.

Com a redemocratização do país, os presidentes da República mantinham uma tradição de escolher o primeiro nome da lista para o cargo de reitor. No passado recente, esta postura deixou de existir, rompendo uma tradição de 15 anos. Entre outros exemplos tivemos, a escolha do reitor da Universidade Federal do Ceará em 2019 e mais recentemente (2020) na escolha do reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde o terceiro nome da lista foi escolhido. A não nomeação do nome escolhido pela comunidade universitária é um retrocesso para a democracia plena e à autonomia universitária.

Um avanço seria a extinção da lista tríplice e a prerrogativa do Conselho Universitário de escolher o reitor, após a utilização de vários instrumentos – consulta a comunidade, comitê de busca e outros instrumentos democráticos.

Enfraquecer as Universidades Públicas é um equívoco. Elas são os pilares de um Brasil melhor. Lembremos o pensamento de Anísio Teixeira: “Só existirá democracia no Brasil no dia em que se montar no país a máquina que prepara as democracias. Essa máquina é a da escola pública.”

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Photo credit: Rosmarie Voegtli on Visualhunt / CC BY

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