Artigo de Dioclécio Campos Júnior, médico, professor emérito da Universidade de Brasília (UnB), ex-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, membro titular da Academia Brasileira de Pediatria, atual presidente do Global Pediatric Education Consortium (GPEC), para o Correio Braziliense
Segundo a sabedoria popular, a esperança é a última que morre. É também a primeira que renasce. Por isso, de forma lógica, consistente e verdadeira, passou a ser um grandioso sinônimo de criança. A humanidade não sobreviveria até os tempos atuais caso não contasse com esta fonte da mais pura e sublime energia necessária à dinâmica vivificante da sociedade. De fato, o significado da palavra criança é, acima de tudo, a essência do ato de criar, sem o qual não seria possível a evolução humana que se manteve ao longo da história. Assim, a esperança, entendida como ato de esperar, já teria desaparecido caso não contasse com o esplendor humano do ato de criar.
Para sair da deprimente crise que atravessa, o Brasil precisa tornar-se uma sólida e profícua criança, expressando todo o seu potencial pacífico, sereno, cordial, terno, comunicativo, respeitoso e criativo, capaz de iluminar o renascimento do País. É a única esperança que resta para uma nação que se deixou degradar por completo. De fato, é na complexa metamorfose biológica e neuropsicomotora da infância que os fenômenos do crescimento físico e desenvolvimento mental constroem o corpo e a alma do cidadão. Portanto, um adulto só será legítimo se souber cultivar o cerne da criança que representa. Caso contrário, estará desprovido do perfil comportamental fundado nos princípios morais e éticos dos quais depende a sociedade humana.
A política é uma prática essencial ao equilíbrio produtivo a ser promovido em nome de uma nação. Supõe ações comprometidas com o bem-estar de todos, sem prejuízo da individualidade autêntica e respeitosa. Para tanto, um político somente será sábio, nas estratégias que lhe cabe adotar, desde que esteja afinado com o pulsar de sua pródiga infância. De outra forma, prevalecem os instintos animalescos e os objetivos interesseiros que conspiram contra os direitos dos cidadãos. A pobreza e a violência que tomaram conta do Brasil são provas cabais da veracidade de tais conceitos. Nossa política nacional perdeu sentido. Não tem a dimensão que lhe é imprescindível. Carece do potencial transformador, inerente ao ser humano em crescimento e desenvolvimento. Desfaz as rotas do progresso. Cria atalhos individualistas que perpetuam o atraso. Ignora a prioridade da infância, perspectiva claramente consignada na Constituição Federal.
É chegada a hora do renascimento da criança como projeto inegociável para fundamentar uma sábia opção de novos rumos para o país. Se a alma infantil permanecer desprezada pela prática política, o organismo brasileiro não sairá do estado de coma em que se encontra. A maioria da população continuará refém da modalidade de escravismo com a qual passou a ser tratada há décadas. As novas gerações não terão um horizonte social libertador, límpido e convincente. Nas eleições que se aproximam, os candidatos e eleitores deveriam estar unidos para reconstruir a esperança como postura imprescindível a um povo que jamais esteve tão desiludido e desencantado com o futuro do País. É o momento de se vencer a tenebrosa encruzilhada decorrente do desprezo para com a infância, um malefício que gerou o desaparecimento da esperança.
Hoje comemora-se o Dias da Crianças, mas sua valorização ainda está distante. O ato de criar é o único caminho seguro e sem atalhos para que se alcance a prosperidade a que o povo brasileiro tem direito. Os políticos precisam ouvir a criança que sobrevive em suas entranhas mentais e pensar nos valores que deverão cultivar em favor da infância nacional, a ser definida como componente humano insubstituível para a ordem e o progresso. Alcançariam assim a consistência necessária ao devido engajamento na luta pela nobre causa da nação. Não podem mais protelar a adoção de uma conduta pessoal identificada com a reedificação do patrimônio histórico, cultural e educacional do País.
Neste ano, a data de comemoração do ato de criar situa-se num confuso período de campanha eleitoral. O Dia das Crianças é a oportunidade de se fazer entender a todos que a esperança do povo brasileiro só poderá ser restaurada por meio de compromisso político, publicamente assumido, com a prioridade da infância. O ato de esperar, que é um sentimento ativo despertado pelo possível renascimento do papel da criança, trará de volta o olhar do cidadão convicto e cheio de esperança. Se assim ocorrer, o 12 de outubro de 2018 será um marco histórico para retirar o Brasil das trevas em que se encontra. Com a energia da criança e à luz da esperança.