Aldo Paviani, geógrafo, professor emérito da UnB e diretor de Estudos Urbanos e Ambientais/Codeplan, para o Correio Braziliense
Há uma infinidade de critérios, conceitos teórico-metodológicos para teorizarmos e aplicarmos na vida cotidiana a temática em pauta: qualidade de vida. Considera-se que qualidade de vida (QV) não é linear e pode variar no tempo e socioespacialmente, bem como de pessoa a pessoa. A QV pode ser uma qualidade aceitável (a pessoa em paz e de bem com a vida) e pode ser desagradável (a má qualidade da habitação, do trabalho e de como a pessoa se educou, das oportunidades de lazer, de ganhos culturais – museus, teatros, bibliotecas, dos ganhos salariais, do pouco prestígio no ambiente de trabalho ou familiar etc.).
A QV na família é uma, no meio urbano em que alguém convive, nos aspectos do ar, da água, do uso de transporte coletivo e da mobilidade, do grau de pertencimento a um grupo no cotidiano. No meio rural, há aspectos que influem na QV em termos da execução das árduas tarefas da produção agrária, do pastoreio de rebanhos e meio ambiente: a existência ou não de floresta próxima (sem queimadas e preservada). A QV poderá se deteriorar se há extração mineral nas proximidades, que polui o ar, as águas, interfere no bioma – flora e fauna – e influi negativamente nos seres vivos ou na totalidade da natureza em volta, o homem incluído.
A QV é geralmente confundida com felicidade: quem é feliz tem boa qualidade de vida; o amargurado, triste pode ser portador de QV pouco administrável. Há, portanto, características do ambiente próximo (materiais ou não) e de ordem subjetiva, em que cada indivíduo idealiza seu cotidiano, na família, no circuito próximo e mesmo na região em que se insere. Muitas vezes, as condições materiais pesam desfavoravelmente pela impossibilidade de promoção pessoal ou salariais e de busca de conforto na habitação e nas condições em que se insere (próximo ou distante) do local de trabalho, das dificuldades de locomoção cotidiana ou pouca cordialidade e competição por parte dos que trabalham, estudam ou se inserem em seu grupo social.
A vida em uma metrópole é revestida sinteticamente de todos os aspectos referidos. E, se for uma metrópole industrial, tem acréscimos que podem deteriorar a QV, como poluição ambiental e tráfego congestionado, que irrita e estressa os que utilizam o modal de transporte (ônibus, trem metropolitano, moto ou bicicleta). No caso do ônibus principalmente, apinhado todos os dias, se deslocando demoradamente, sacrifica quem deseja chegar a tempo ao local de trabalho. Assim, também, os deslocamentos por automóvel, no tráfego congestionado, que deixa as pessoas irritadas e pouco respeitosas com relação às normas do trânsito.
Com frequência, e em número cada vez maior, as pessoas se perturbam e se comportam com pouca urbanidade. Igualmente pensam no tempo e combustível dispendidos e se cansam física e psiquicamente. Todas essas condições baixam a satisfação dos urbanitas e acabam preocupando os que se ocupam com a saúde coletiva, pressionada por competição no momento de estacionar o veículo no centro urbano. As metrópoles brasileiras acabam sendo palco de estresse coletivo com dezenas ou centenas de quilômetros de congestionamentos, sobretudo quando ocorre algum acidente não resolvido de pronto. Aliás, a saúde é um dos aspectos, junto com a educação, que mais chamam a atenção do poder público e das empresas em razão da alta interferência na QV dos habitantes das grandes cidades.
Para os geógrafos e cientistas sociais, o espaço construído socialmente, ao longo de centenas de anos, nem sempre possui as condições urbanas para que seus habitantes se sintam integrados. Há inúmeras condições que podem se agravar por gestões que não buscam priorizar as demandas coletivas: segurança cotidiana, atendimento médico-hospitalar, existência de creches próximas ou no bairro, investimentos públicos e privados para que a economia se dinamize e reduza o desemprego, as políticas salariais que não permitem a distribuição da riqueza e assim por diante.
Para ampliar a boa QV, os governos metropolitanos procuram dotar as metrópoles com as infraestruturas necessárias ao bem-estar dos habitantes, bem como dos equipamentos importantes para todos os aspectos da vida cotidiana: escolas, hospitais, teatros, bibliotecas, parques, ciclovias e pistas para os mais variados veículos motorizados. É longo o caminho para atendermos premências e enfrentarmos desafios.