Por Cristovam Buarque, para o Correio Braziliense –
No livro Os Deuses Subterrâneos, de 1994, republicado em 2005 pela Editora Record, um grupo de cientistas vive há milhares de anos no subsolo do Planalto Central do Brasil, fugindo de hecatombe ecológica ocorrida em passado longínquo, afetando todas as vidas no planeta e deixando a superfície inabitável. Depois de milênios, a superfície terrestre ainda não lhes permitia sobreviver por muito tempo. Subiam raras vezes, por curto período.
Em uma dessas subidas turísticas, dois androides também sobem junto com os turistas humanos. Um terremoto fecha a entrada e o grupo fica preso no lado de fora. Rapidamente, os humanos começam a morrer, vítimas do ambiente hostil. Os dois androides, Adam e Eve, sobrevivem e ao longo de milênios criam uma humanidade que os humanos na catacumba só descobrem a existência quando percebem os terremotos provocados pelas bombas atômicas que explodiam na superfície durante os testes nucleares.
Preocupados com o que lhes aconteceria se houvesse uma guerra nuclear, eles decidem eliminar a civilização dos androides loucos, de uma forma que não provocasse estragos na estrutura do habitat subterrâneo onde viviam. A solução seria provocar uma devastação ecológica, silenciosa, sem bombas, que aos poucos varresse a humanidade ou fizesse ela regredir ao ponto de não provocar guerras nucleares. Mas, antes disto, era preciso forçar a paz entre os androides.
Começaram então a sequestrar androides e a programá-los para que destruíssem a vida no planeta por meio de uma crise ecológica. Os sequestrados eram programados para se tornarem grandes cientistas, engenheiros, empresários e políticos: fariam as pazes entre as potências nucleares e provocariam um desenvolvimento industrial devastador de florestas, poluidor de águas e atmosfera; ocorreriam mudanças climáticas, inundações, subida do nível do mar, aumento de temperaturas onde antes era frio, e queda de temperatura onde antes era quente: usariam androides programados para enlouquecer o planeta e eliminá-los, antes que eles fizessem uma guerra suicida.
O livro dá a entender que o presidente Reagan era um dos mais bem-sucedidos androides programados: ao mesmo tempo em que fez a paz, foi o grande promotor do desenvolvimento rápido a partir dos anos 1980; Gorbachev também teria sido programado para destruir a União Soviética e, assim, acabar com o risco de guerra nuclear entre duas superpotências e abrir a possibilidade de o consumismo se espalhar pelos antigos países socialistas. Até China, com seu impulso econômico, seria também parte da estratégia.
Nada indica que esse livro tenha qualquer veracidade, mas as falas e gestos do presidente Trump – até sua aparência – nos fazem pensar que talvez a ficção do livro não seja tão absurda; ou que, sendo absurda, é uma boa metáfora do que acontece hoje no mundo. Ele nega as evidências do desequilíbrio ecológico, recusa-se a aceitar os indicadores de desmatamento e o degelo dos polos, grita \”América First\” e o resto do mundo e a humanidade não importam, é preciso fazer a \”América Great Again\” na produção, explorando petróleo no Polo Norte, considera que a crise ecológica é invenção dos cientistas anticristãos e comunistas, tudo que os deuses subterrâneos queriam programar.
Ao continuarmos a marcha ao desastre ecológico, por força de decisões políticas e descobertas científicas nós, descendentes de Adam e Eve, temos razões para acreditar que estamos sendo governados por androides infiltrados na humanidade por aqueles deuses subterrâneos. O fim das abelhas, e suas consequências para a humanidade, parece ser obra da força superior dos deuses subterrâneos programando cientistas imorais para inventarem os agrotóxicos, empresários egoístas para os utilizarem e políticos fanáticos para permitirem seu nefasto uso.
Só deuses podem ter programado os dirigentes políticos de hoje para se recusarem a ver e para impedirem de ser vista a dimensão do desmatamento na Amazônia que os satélites filmam. Difícil explicar isso pelo natural, só o fantástico mundo onde deuses fabricaram nossos dirigentes ao ponto de eles conseguirem o que parecia ser impossível existir, como eles foram eleitos, como Trump e outros. O livro indica que a programação era feita para ninguém perceber, mas hoje em dia parece que os deuses perderam a discrição: está na cara que temos presidentes e primeiros-ministros com cara, jeito, cabelo e cabeça de androides, infiltrados para provocar desastres.