Em defesa das agências federais de fomento à Ciência e Tecnologia

*Por Wanderley de Souza, para Monitor Mercantil –

Nas últimas semanas, a comunidade que milita no campo da Ciência e Tecnologia (C&T) no Brasil passou por momentos tensos. Circulou amplamente um documento intitulado “Propostas de Melhoria da Gestão do Orçamento do MCTIC” elaborado pela Secretaria Especial de Fazenda e pela Secretaria de Orçamento Federal, ambas integrando a estrutura do Ministério da Economia.

Este documento faz considerações equivocadas sobre o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), principal fonte de recursos para os programas desenvolvidos pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), que não foi consultada.

Os comentários sobre o FNDCT são equivocados, indicando desconhecimento total sobre sua importância, sobre o seu marcante e reconhecido impacto positivo no estabelecimento da infraestrutura científica nacional e seu papel vital para a existência da própria Finep.

Ao propor transferir o FNDCT da Finep para o BNDES, confunde os recursos de C&T com recursos para desenvolvimento industrial mediante operações de crédito, além de essa medida implicar no fechamento da Finep.

Autoridades do Ministério da Economia acham que é mais barato comprar tecnologia

Justifica a existência inconstitucional a Reserva de Contingência como devido a “vinculação excessiva de receitas, alguns comentários equivocados do TCU ou mesmo problemas fiscais”. Na realidade, nenhum dos argumentos apresentados procede, e se esquecem que nos anos 2010–2014, o FNDCT executou plenamente o que arrecadou.

Ao mesmo tempo foi divulgada a informação de que Ministério da Economia e a Casa Civil da Presidência da República, estavam finalizando uma medida provisória extinguindo o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), vinculado ao MCTIC, transferindo suas funções para a Capes, vinculada ao MEC.

Tudo isso junto parecia uma orquestrada ação para acabar com a pesquisa científica no Brasil. Descobriu-se, ainda, que altas autoridades do Ministério da Economia consideram que o Brasil não deveria investir tanto em desenvolvimento de tecnologia pois custa menos comprá-la. Acresce, ainda, o silêncio sepulcral do ministro Marcos Pontes e sua equipe.

Obviamente, a comunidade científica despertou e partiu para a luta, sobretudo junto ao Congresso Nacional. Hoje temos a posição de importantes líderes na Câmara e no Senado em defesa da permanência das agências de fomento, cada qual com sua especificidade clara e conhecida de todos.

Uma vez descrito o triste cenário em que vivemos, cabe agora algumas reflexões sobre o tema. Uma análise do documento apresentado pelo Ministério da Economia nos deixa duplamente preocupados. Primeiro, pela qualidade técnica do documento, indicando que seus autores não têm a mínima ideia do que é o Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia, construído de forma exemplar na década de 1950 e aperfeiçoado ao longo dos anos.

Ficamos perplexos com o fato de pessoas que nada entendem do assunto terem a coragem de fazer propostas que só servem para liquidar com o que a comunidade científica e governos anteriores conseguiram conquistar ao longo de alguns decênios. Espero que não sejam os mesmos que estão a cuidar da “saúde econômica” do país.

Todos os membros da comunidade científica sabem das especificidades de cada agência de fomento e vão até as últimas consequências para defendê-las. Nenhum país concentra toda a atividade de fomento em uma única agência.

O CNPq tem como foco principal o pesquisador e seu grupo de pesquisa, concedendo prioritariamente:

(a) bolsas de Iniciação Científica para estudantes de graduação que fazem estágio em laboratórios de pesquisa

(b) bolsas de apoio técnico

(c) bolsas de produtividade acadêmica para os pesquisadores

(d) bolsas de pesquisadores visitantes

(e) apoio para viagens ao exterior visando estágios e participação de congressos científicos

(f) apoio financeiro para que possam manter seus laboratórios, o que é feito via o Edital Universal, ou constituir redes temáticas integradas por vários grupos de pesquisa, como é o caso dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs)

(g) apoiar a cooperação internacional entre grupos de pesquisa.

Acresce, ainda, o apoio a um conjunto de programas importantes como biodiversidade, Antártica, entre outros, bem como programas articulados com outros ministérios, entre os quais destaco o da Saúde. Cabe esclarecer que o universo da pesquisa científica com o qual o CNPq lida diariamente abrange cerca de 200 mil pessoas.

O Finep e o BNDES poderiam se associar em projetos estratégicos de Estado

A Capes tem como função primordial o aperfeiçoamento de pessoal de nível superior, que se dá sobretudo nos cerca de 7 mil cursos de pós-graduação que contam com 280 mil alunos, formando anualmente cerca de 87 mil mestres e doutores necessários para o pleno funcionamento do Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia.

Ao contrário do CNPq, que só lida com a pessoa física do pesquisador, a Capes se relaciona de forma institucional com as várias universidades e centros de pesquisa. Essa agência conta ainda com um forte programa de cooperação institucional com vários países, com destaque para programas como Fulbright (EUA), DAAD (Alemanha), Cofecub (França), entre outros.

Cabe ainda à Capes uma forte presença no sistema público de ensino universitário via educação à distância, dirigindo a Universidade Aberta do Brasil, hoje com cerca de 140 mil alunos de graduação, bem como importantes programas de apoio à melhoria do ensino básico. Logo, nada a ver com a missão do CNPq. A fusão destas agências é um desserviço a C&T no Brasil. Certamente há entre as duas agências alguma sobreposição, que pode ser resolvida facilmente.

Já a Finep tem missões bem diferentes daquelas exercidas pelo CNPq e pela Capes, não se relacionando diretamente com os pesquisadores e cursos de pós-graduação, mas sim com as instituições no seu mais alto nível hierárquico, sempre tendo como foco principal o apoio à criação, consolidação, manutenção e expansão da infraestrutura física (com construções de médio e grande porte espalhados por todo o país) e da infraestrutura científica, via a concessão de recursos para grandes equipamentos.

Todo esse apoio, feito às instituições públicas e às privadas sem fins lucrativos, é realizado com recursos não reembolsáveis do FNDCT, dirigido por um Conselho Científico de alto nível, sob a presidência do ministro de Ciência e Tecnologia. A invejável infraestrutura científica brasileira é fruto, principalmente, da atuação da Finep.

Por outro lado, essa agência também apoia, com recursos não reembolsáveis, projetos de pesquisa de maior porte em áreas estratégicas relacionadas com os vários fundos setoriais que abastecem o FNDCT, bem como pesquisas tecnológicas desenvolvidas em empresas brasileiras, nesse último caso via recursos de subvenção econômica.

Por último, ela também faz operações de crédito em condições especiais para as empresas desenvolverem novas tecnologias, preferencialmente em associação com centros científicos. Ao longo de sua história, a Finep consolidou uma equipe de analistas que conhece muito bem a vida das empresas de base tecnológica e as instituições acadêmicas mais adequadas para apoiarem o desenvolvimento de seus projetos. Neste sentido, ela é insubstituível, nada tendo com as importantes ações exercidas pelo BNDES.

Na realidade, o ideal seria a associação da Finep e do BNDES em projetos estratégicos de Estado, onde a Finep financiaria o desenvolvimento tecnológico até o protótipo de um produto, e o BNDES financiaria seu escalonamento para o mercado nacional e internacional. Não faltam exemplos de atuação nesse sentido, como o que ocorreu com a Embraer, entre outros.


*Professor titular da UFRJ, é membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Nacional de Medicina.

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