*Ennio Candotti
Ao tomar conhecimento da valiosa, mas ainda modesta, recuperação do orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) em 2023, vale lembrar que há outra etapa importante na recuperação do papel da C&T nas novas diretrizes de Governo, que não envolve recursos novos, mas decisão política.
Trata se de recuperar a função e as responsabilidades do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, o CCT. Ele foi criado para aconselhar o presidente da República em questões políticas e de orçamento nas áreas de P&D e C&TI em que estão envolvidos vários ministérios e institutos de governos estaduais.
Os orçamentos somados que contribuem para custear e fomentar a pesquisa científica e o desenvolvimento tecnológico (incluindo os salários e encargos dos envolvidos nessas atividades) em todas as universidades e institutos federais e estaduais, estima-se que ultrapassem os 80 bilhões de Reais por ano, sendo apenas 11 bilhões contabilizados do MCTI. Uma quantia significativa no orçamento da União e dos Estados.
O CCT é presidido pelo(a) presidente da República ou, em sua ausência, pelo(a) ministro(a) da Ciência e Tecnologia. Dele participam diversos ministérios envolvidos com atividades de C&T. O CCT tem poder para requisitar informações sobre os recursos destinados à P&D e à C&TI pelos diferentes ministérios (que o integram ou não) e, o que é mais importante, sobre os itens de despesas, projetos etc. bem como propor e acompanhar avaliações dos resultados alcançados. Dados necessários para definir diretrizes de Governo para a política de C&T.
Um exemplo: muito se debate sobre os caminhos e descaminhos do desenvolvimento da Amazônia. Faltam informações consistentes sobre as espécies que encontramos na floresta, a diversidade social e cultural, sobre as áreas degradadas, dados colhidos “in situ”, da diversidade de sementes ou da situação sanitária no interior.
Observamos que qualquer política para as múltiplas faces do desenvolvimento da Amazônia (científicas, econômicas e socioculturais) que respeite os princípios determinados pela Constituição de 1988, exige programas coordenados entre diferentes ministérios e governos estaduais como, por exemplo, Direitos humanos, Povos indígenas, Igualdade Racial, Mulheres, Meio Ambiente, Saúde, Comunicações, Defesa, Agricultura, Desenvolvimento Agrário, Integração e Desenvolvimento Regional, Desenvolvimento Industria e Comercio, Justiça e Segurança Pública, Minas e Energia, Transportes (as aguas dos rios da Amazônia sobem e descem anualmente 20m!), Educação, Cultura e Relações Exteriores (estão elencados ministérios responsáveis por estudos e pesquisas que no passado ou no presente têm sido financiados pelo CNPq), além das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (FAPs).
Vale também mencionar um fato de excepcional importância, que deveria ocupar a pauta de uma reunião do CCT dedicada à questão Amazônica: nos últimos vinte anos foi multiplicado de modo significativo o número de centros universitários federais e estaduais, dos institutos de P&D da Amazônia nas capitais e no interior.
Por decisão de Governo, tomada na primeira década de 2000, foram definidas diretrizes de interiorização da educação superior e da pesquisa científica na Amazônia e em outros estados. Seguindo essa diretriz, foram multiplicados os campi das instituições universitárias, estaduais e federais e dos Institutos e Centros de pesquisa como p.e. a Embrapa, o Instituto Mamirauá do próprio MCTI, o Ipepatro (Instituto de Pesquisas em Patologias Tropicais) na Saúde, etc.
Hoje são cerca de 360 (!) os centros, federais ou estaduais, presentes em um grande número de municípios da Amazônia. Seria oportuno agora tratar de incluir estes novos interlocutores e as comunidades nas quais estão imersos na determinação e execução de políticas de educação, C&T, no levantamento do quadro sanitário, da contaminação das águas e de informações cientificamente, culturalmente e socialmente relevantes necessárias para conhecer o grau de devastação em que se encontra a Amazônia, ou mesmo a diversidade botânica da qual temos informações consistentes de apenas 0,15 espécimens por km2, quando, para definir programas de conservação e pesquisa, seria importante conhecer dez vezes mais. (ver Mike J.G.Hopkins, “Are we close to knowing the plant diversity of the Amazon?”, Anais da Academia Brasileira de Ciências, 91 (suppl 3) 2019)
Observando que os centros das instituições públicas de educação superior e pesquisa têm capacidade de reprodução, formando jovens nas diferentes áreas do conhecimento, no interior e capitais da Amazônia, sugerimos que seja dado a eles um maior protagonismo e mobilização no projeto de desenvolvimento que está sendo desenhado pelo novo Governo, obediente aos imperativos constitucionais de defesa dos direitos humanos, da proteção do meio ambiente, da valorização da biodiversidade e, sobretudo, da sociodiversidade.
Tarefa para um CCT dos novos tempos.
*Diretor-geral do Museu da Amazônia (MUSA)